Quando já temos alunos que são professores, apercebemo-nos de que estamos mesmo velhos. O Filipe foi meu aluno e, hoje, é um excelente professor. Sempre que tropeça nos absurdos das escolas que ainda temos, partilha comigo as experiências. Partilharei convosco uma das histórias que o Filipe me contou. Ouçamo-lo.
Um aluno perguntou-me: "Professor, o sumário é para escrever a azul ou a vermelho?" "Decide tu meu rapaz, a escolha é tua" - foi o que lhe respondi. "Nas outras disciplinas, eu escrevo o sumário a vermelho e o resto a azul" - replicou o moço. " Em cinco anos de escolaridade, não conseguiram ensinar a este rapaz se deverá escrever a azul ou a vermelho. A escola fez um trabalho notável neste aluno: tem boas notas, é bem comportado (não perturba a aula, nem faz perguntas sobre as matérias). Mas, se a escola não lhe ensinou a decidir entre o azul ou o vermelho, o que irá ele fazer quando tiver que tomar decisões? Telefonará ao professor?"O Filipe possui um apurado senso crítico. É um dos raros professores "críticos e reflexivos". Reflectiu: "O pior de tudo, professor, foi que eu me revi naquele catraio. Também me ensinaram que tudo estava predeterminado. Nunca escolhi caminhos, porque a escola sempre me conduziu. Durante dezasseis anos, foi como se entrasse numa escada rolante de um shopping e, sem me mexer, conseguisse subir e descer andares..."
(...) Quando me perguntam se a aprendizagem deve estar centrada no conteúdo, no professor, ou no aluno, eu respondo que está centrado na relação. Na relação entre os alunos, entre os alunos e o saber, na relação entre aluno e professor, na relação entre professores. Aprendizagem é dialogia. O diálogo é policromático. O monólogo é monocromático.
Professores como o Filipe dão cor a escolas onde ainda reina o preto e branco e o daltonismo pedagógico. Professores como o Filipe buscam a escola em arco-íris, onde caibam todas as possibilidades. Sem eles, o que seria do amarelo?