Acordo mirada pelas olheiras de mim mesma quando me cruzo com o espelho no caminho para a casa de banho. Deito os olhos ao telefone em busca de marcas de interesse de alguém. [A vida por vezes volta-se tão depressa e em outras repousa tão sossegada...] A lista está a zeros. Também assim parece o meu depósito de energia. Por vezes parece que não recarrego durante a noite. Lanço o telefone móvel para dentro da mala, a carteira e um ou outro cartão que acredito ter de usar hoje. Guardo a garrafa de água que responderá à minha sede. A esta hora já sei que os cartões não se usam mais - que o melhor é ficarem na carteira para uma qualquer surpresa inesperada - e que uma garrafa apenas nestes dias só me torna sedenta de mais. Entre uma e outra mordida do pequeno-almoço obrigo-me à tortura de mais um grande-tremoço de uma marca qualquer genérica. Fecho os olhos e imagino-me a comer smarties sonhando não ter náuseas em manifestação já nos próximos cinco metros de corredor. Falo com um amigo que meticuloso me liga e respondo às sms de uma amiga, entre um rol de outras de trabalho. Arrependo-me da minha ausência na reunião que não me senti capacitada de enfrentar, mesmo se consciente das razões que o ditaram. [A minha cabeça parece andar a mil à hora e os meus pés a meros dez... Tenho suspeitas nas batidas do coração.] No meio do rebuliço lembro-me do prato do tio Z que se quebrou nas andanças do metro, do olhar entristecido como se esquecido por trás do bigode, das palavras que queria ter dito mas que não se faziam ouvir nos meus lábios. Lembro-me que mais-um-pouco-de-me-lembrar-de-outras-coisas e me atraso. Não quero isso. Atiro então a bolsa das canetas de várias cores para a mala. Sinto-me certa que pintarei com elas o meu dia. E desço a Avenida sabendo subi-la em algumas horas, crente de que a cada passo dado mais perto estou do meu destino. Agora, enquanto escrevo - já horas passadas envolta em papéis e maquinetas e pessoas menos ou mais sedentas de conhecimento e informação -, olho para os pés. Aprecio os sneakers novos. Vejo as suas cores. E pergunto-me se não estaria meio louca [ou drogada pelo comprimido] para os ter calçado na rapidez das notas de banco que deslizaram da carteira para o pagamento. E olho também para as mãos. Vazias. Mas certas de abraçarem daqui a pouco as mãos que me seguram calorosas em trocas de mimo medicinais...
Lembro-me então que nas descidas e subidas da Avenida não são as canetas de cor que me pintam a vida; são essas mãos que a seguram.