Em Madrid, nas descalzas reales, duas japonesas / perguntavam a que horas começava a visita. No inglês estropiado / do guia, a resposta nada tinha a ver com a pergunta: que a visita / em grupo e em espanhol - o que , / para as japonesas era secundário. O que elas queriam / era saber quanto tempo durava a visita. O programa estava traçado, / ao minuto, e o autocarro esperava-as para, em grupo, as levar / ao ponto seguinte da excursão.
Há quem se ria disto, como o empregado / do bar, no aeroporto, ao ver passar um bando de japoneses, / de mala e máquina fotográfica às costas, à chegada / de um avião. Mas não são apenas / os japoneses que andam em grupo. Eles são é mais visíveis do que / os outros - por causa do ar sério, da máquina fotográfica e do mapa / para que olham quando procuram o caminho do monumento / seguinte da excursão.
De facto, nunca andei em excursão com japoneses, nem / o Fernando Pessoa. Mas imagino que ele também viajaria em grupo : o próprio / e os heterónimos, com o Campos a levar a máquina fotográfica, o Reis a carregar / os livros e Caeiro a arrastar as malas. Chegariam os quatro a uma cidade, / com todo o ar de quem tem um programa a cumprir, mesmo que não / soubessem o seu destino. Em Madrid é que as coisas se complicariam / - por causa da língua. O Pessoa / talvez falasse inglês , embora ninguém o percebesse (a pronúncia / de Durbin é uma chatice); o Campos poderia arriscar / o espanhol - com o Reis a rir-se dele; e Caeiro, esse, com a língua de campónio, / cheia de xis, o que até vai bem com Nietzsche, lá poderia, / confundir-se com um galego e levá-lo, a todos, / ao prado (e vejo-os aos quatro, embasbacados, , em frente / da maja desnuda).
As japonesas das descalzas reales foram-se embora / sem fazer a visita. Mais tarde fui dar com elas , numa esplanada, / a comer hamburgers e beber coca-colas. Na mesa ao lado, um / bando de heterónimos atacava-as com os olhos. Elas / - riam-se, sem perceberem que a coisa era séria, / até porque estava fora do programa.
- Nuno Júdice