Hoje esta cadeira não gira. Não mexe. Como não respira nenhum poro em mim, pelo menos não de forma que o sinta. O meu corpo descobriu que na ausência da metade não é um corpo, mas um físico inacabado que dói. O meu colo está vazio quando quem lhe pertence lhe falta por razões que desconhece. A minha cabeça prende-se num único pensamento de nome próprio que a cada segundo se segreda entre os meus lábios. E às vezes parece que não sei pronunciar qualquer outra palavra, que também não o quero porque sem esse ser que a preenche nada tem sentido e o sentido de tudo cabe nestas sete letras que se cravam em cada um dos meus sentidos. Hoje o meu coração sabe que existe, como nunca antes o soubera; sabe quando bate acelerado na ansiedade da espera ou quando desacelera em ritmo parado no seu prolongamento. Hoje eu sei que existo, porque existo para alguém que em tudo existe para mim - do bilhete pré-comprado de autocarro hoje para outro destino que não Santos ao sabor da rúcula de um qualquer outro Valentino ou às velas que acesas «desescurecem» spots num espaço não magnético onde essa luz ainda não foi por nós partilhada e se apaga lentamente, na verdade, nos meus olhos sós. E eu acordo assim; eu adormeço assim; eu passo cada dia assim.
Há uns anos, quando a minha vida verdadeiramente começou, as ausências não eram ausentes. Ganhava vida nesses instantes, por mais fugidios que fossem. O sobe e desce da Avenida não mais não teve sentido nem destino.
Hoje não sinto vida em nada mais. Eu entro na vida das pessoas, dizem, e na minha esta foi a entrada triunfante. Fez-me. Eu deixei de ser quem sou para ser-me. E talvez não mais seja o verbo catarinar que a L encontrou em mim ou talvez o seja mais agora que em qualquer outro outrora antes.
Há quem diga que tenho um dom. Outros chamam-lhe magia. Outros tornam-me um verbo (e hoje eu tão pouco me sinto acção...). Sim, eu tenho um dom. Hoje sei-o e sei-o de cor, em todas as cores, em todos os sentidos. Amar. E Amá-lo é ser-me na minha força e na minha fraqueza, na minha capacidade e na minha impotência, no meu desejo de o ver feliz e de não senti-lo sorrindo.
E pela primeira vez quando na frente do meu público respondi por Sophia ao Reis pessoano senti cada palavra nos excessos de Campos de Pessoa...
"Não creias... que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiamos colher
Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo."
... E febrilmente as palavras me invadiram, me roubaram as forças, me encostaram, me sentaram. Do fundo de mim gritou-se que em todo o tempo que esperei sem saber antes de ser-me cabe todo este tempo em que tenho ainda a esperar-te. E eu espero. Só este blog é que termina aqui.